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Diferenças entre o trabalho temporário, as agências de colocação e a figura do “Marchandage”.

Marchandage é uma expressão francesa cunhada no século XIX para designar situações na qual um trabalhador era contratado por intermédio de um mercador de força de trabalho, cujo negócio consistia em lucrar com o trabalho de terceiros que intermediava/locava. Mutatis mutantis, no marchandage o intermediador atua como se fosse um “cafetão”, que lucra com a intermediação de mão-de-obra ao cobrar do trabalhador o serviço de intermediação. Essa prática foi abolida pela Declaração de Filadélfia (artigo 1º) que reafirmou o princípio de que o trabalho não é uma mercadoria.[1]

No trabalho temporário, por sua vez, a ETT exerce mediação gratuita em relação a cada empregado para o qual angaria trabalho, remunerada por cada cliente. Não ganha e não pode ganhar com a mediação, mas sim com a prestação de serviços à sua clientela. Ademais, a ETT registra como empregado o trabalhador a ser colocado à disposição das tomadoras ou empresas clientes, o que não se dá com o marchandage.

Sobre esse aspecto sobreleva distinguir as ETTs das agências de colocação ou agências de angariação de mão de obra. Inicialmente vedadas pela Convenção nº 34 da OIT, as agências de emprego privadas ganharam aceitação com o tempo. Considerada muito rígida[2], a Convenção nº 34 da OIT foi revisada em 1949 pela Convenção nº 96 da OIT[3] que, por sua vez, deixou aos Estados ratificantes a opção de proibir a existência de tais agências (Parte II) ou de regular sua atividade (Parte III).

A Convenção 96 da OIT foi ratificada pelo Brasil, mas, posteriormente, denunciada (Decreto nº 70.224, de 01.03.1972). Não obstante, vale esclarecer que a Convenção nº 96 foi revista pela Convenção nº 181 da OIT[4], que dispõe sobre Agências de Emprego Privadas. Esta, não ratificada pelo Brasil.

A revisão passou a admitir o funcionamento das Agências de Emprego Privadas e foi feita pela OIT “consciente da importância da flexibilidade no funcionamento dos mercados de trabalho”, bem como “considerando o contexto muito diferente em que operam as agências de emprego privadas, em relação às condições que prevaleciam aquando da adopção da convenção supracitada” (referindo-se à Convenção nº 96) e “reconhecendo o papel que as agências de emprego privadas podem desempenhar no bom funcionamento do mercado de trabalho”.

Referida Convenção define as agências de colocação em ser artigo 1º, item I:

1 — Para os efeitos da presente Convenção, a expressão «agência de emprego privada» designa qualquer pessoa singular ou colectiva, independente das autoridades públicas, que preste um ou mais dos seguintes serviços referentes ao mercado de trabalho:

a) Serviços que visam a aproximação entre ofertas e procuras de emprego, sem que a agência de emprego privada se torne parte nas relações de trabalho que daí possam decorrer;

b) Serviços que consistem em empregar trabalhadores com o fim de os pôr à disposição de uma terceira pessoa, singular ou colectiva (adiante designada «empresa utilizadora»), que determina as suas tarefas e supervisiona a sua execução;

c) Outros serviços relacionados com a procura de empregos que sejam determinados pela autoridade competente após consulta das organizações de empregadores e de trabalhadores mais representativas, tais como o fornecimento de informações, sem que no entanto visem aproximar uma oferta e uma procura de emprego específicas.

Ao contrário do que possa parecer a Convenção nº 181 não instituiu a prática do marchandage já que, em seu artigo 7º, proíbe expressamente qualquer tipo de retribuição pecuniária. Confira-se:

1 — As agências de emprego privadas não devem impor aos trabalhadores, directa ou indirectamente, no todo ou em parte, o pagamento de honorários ou outros encargos.

2 — No interesse dos trabalhadores visados, a autoridade competente pode, após consulta das organizações de empregadores e de trabalhadores mais representativas, autorizar derrogações ao disposto no nº 1 em relação a certas categorias de trabalhadores e para serviços específicos fornecidos pelas agências de emprego privadas.

3 — Qualquer membro que autorizar derrogações com base no nº 2 deve, nos seus relatórios, ao abrigo do artigo 22º da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, fornecer informações sobre as mesmas e apresentar as razões que as justificam.[5]

Em que pese não vigorarem no plano interno as disposições das Convenções nºs 96 e 181, fato é que o Brasil ratificou a Convenção nº 88, de junho de 1948 (Decreto n. 41.721, de 25.6.57), que dispõe sobre Organização do Serviço de Emprego e ainda em vigor.

Em razão dessa última Convenção, o Brasil deve manter, e cuidar para que seja mantido, um serviço público e gratuito de emprego. O art. 6º da referida Convenção institui uma espécie de agência de colocação Oficial:

Art. 6 — O serviço de emprego deve ser organizado de maneira a assegurar a eficácia do recrutamento e da colocação dos trabalhadores; para essa finalidade, deve:

a) ajudar os trabalhadores a encontrar emprego apropriado e os empregadores a recrutar trabalhadores que convenham às necessidades das empresas; mais particularmente, deve, conforme as regras formuladas sobre o plano nacional:

I) registrar os pretendentes a empregos, anotar suas qualidades profissionais, sua experiência e seus gostos, interrogá-los para fins de emprego, examinar, se necessário, suas aptidões físicas e profissionais e ajudá-los a obter, se preciso, uma orientação, uma formação ou readaptação profissional;

II) obter dos empregadores informações precisas sobre os empregos vagos notificados por eles ao serviço, e sobre as condições que devem preencher os trabalhadores que procuram;

III) encaminhar para os empregos vagos os candidatos que possuam as aptidões profissionais e físicas exigidas;

IV) organizar a compensação da oferta e da procura de emprego de um escritório a outro, quando o escritório consultado em primeiro lugar não está em condições de colocar convenientemente os empregos vagos, ou quando outras circunstâncias o justifiquem;

Por fim, convém mencionar que atualmente, no Brasil, não existe regulamentação sobre agências remuneradas de colocação. Inicialmente, o Decreto nº 62.756/68 chegou a regulamentar a atividade das agências remuneradas de colocação e estabelecer que “agência de colocação com fins lucrativos, isto é, tôda sociedade, instituição, escritório ou outra qualquer organização que sirva de intermediário para procurar um emprêgo para um trabalhador ou um trabalhador para um empregador, com o objetivo de obter de um ou de outro um benefício material direto ou indireto” (art.1º, parágrafo único, alíenea “a”).

Ainda, que “agência de colocação sem fins lucrativos, isto é, todo serviço de colocação das sociedades, instituições, agências ou outras organizações que, sem buscar um benefício material, perceba do empregador ou do trabalhador, pelos seus serviços somente jóias, emolumentos ou contribuições” (art.1º, parágrafo único, alíenea “b”).

No entanto, o Decreto 99.663, de 31.10.1990, revogou totalmente o Decreto nº 62.756/68 e extinguiu o Cadastro Geral das Agências de Colocação de Mão de Obra, com ou sem fins lucrativos, públicas ou privadas.

Com isso, como já dito acima, afirma-se que no Brasil, atualmente, não existe regulamentação acerca da atividade de agenciamento de mão de obra.

Vê-se, pois, que as agências de colocação ou agências de angariação de mão de obra distinguem-se claramente das empresas de trabalho temporário. As agências de colocação caracterizam-se pelo fato de serem meras intermediárias de uma contratação direta entre um trabalhador e um empregador interessado. Elas simplesmente cadastram trabalhadores e empregadores interessados e, na medida das possibilidades cadastrais, apresentam uns aos outros, favorecendo a formação de vínculos contratuais de empregos diretos.

As ETTs, entretanto, não intermedeiam; elas, em verdade, medeiam a contratação entre um trabalhador temporário, seu empregado, e uma empresa-cliente. As empresas de trabalho temporário assumem a condição de empregadoras do trabalho temporário (o que não ocorre com as agências de colocação), inclusive perante a fiscalização estatal, e o aloca nas empresas-clientes na medida das necessidades destas.[6]

[1] Como registram Jean Rivero e Savatier, o próprio Code du Travail traz proibição expressa em relação a tal prática que, em seu artigo 30, dispõe “l’exploitation des ouvriers par des sous-entrepreneurs ou marchandage est interdite” (RIVERO, Jean; SAVATIER, Jean. Droit du travail. Presses Universitarires de France, 1956. p. 255.

[2] SERVAIS, Jean-Michel. Derecho internacional del trabajo. 1. ed. Buenos Aires. Heliasta, 2011. p. 186.

[3] Denunciada pelo Brasil em 1972, no Governo de Emílio G. Médici, pelo Decreto nº 70.224. Deixou de vigorar em 14-1-73.

[4] Trata-se da Convenção sobre as Agências de Emprego Privadas, de 1997 que, em seu artigo 16º assim dispõe: “A presente Convenção revê a convenção sobre as agências de colocação não gratuitas (revista), 1949, e a convenção sobre as agências de colocação não gratuitas, 1933”. Não ratificada pelo Brasil.

[5] Para um estudo aprofundado sobre as convenções da OIT sobre “serviços de emprego” consultar: SERVAIS, Jean-Michel. Derecho Internacional del Trabajo. 1. ed. Buenos Aires. Heliasta, 2011.

[6] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 302.

Fonte: Os Trabalhistas.

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