

Não procede a pretensão de incidência do Imposto sobre Serviços – ISS sobre as denominadas verbas sucumbenciais.
Anote-se desde logo a existência de pelo menos duas consultas tributárias respondidas pelos Municípios de São Paulo e Recife, indicando a sujeição da sucumbência ao ISS e, portanto, a obrigatoriedade à emissão da nota fiscal de prestação de serviços em contrapartida dos valores recebidos a esse título.1
No caso do Município de São Paulo trata-se da Solução de Consulta SF/DEJUG 23/17, onde expressamente consta que independentemente da “consulente argumentar que os honorários de sucumbência não seriam decorrência direta da relação contratual entre ela e seus clientes, certamente a consulente não teria direito ao recebimento desses honorários caso não houvesse sido a referida relação contratual estabelecida”. Em outras palavras, no entendimento do Fisco Municipal de São Paulo “os honorários de sucumbência são decorrentes da prestação do serviço para o qual a consulente foi contratada”.
A resposta à Consulta 07.83386.0.15/16 formalizada perante a Municipalidade do Recife e seu Conselho Administrativo Fiscal – CAF, entendeu que “em relação aos serviços advocatícios remunerados pelos honorários de sucumbência fixados pelo juiz, a Nota Fiscal de Serviços deve ser emitida em nome do cliente com quem o consulente firmou contrato de prestação de serviços, não importando se quem arcou financeiramente com o pagamento foi um terceiro, no caso, a parte sucumbente na ação”.
Conforme disposto pelo artigo 22 do Estatuto da Advocacia a “prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. Os honorários de sucumbência são aqueles imputados pelo Poder Judiciário à parte que vier a perder uma determinada ação judicial e, com isso, obrigar-se ao ressarcimento da parte vencedora no que refere às despesas incorridas com honorários de advogado e custas processuais na defesa exitosa de seus interesses.
Nesse caso, aplicável o disposto no artigo 85 do Código de Processo Civil – CPC, ou seja, a previsão de que a “sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”, devendo, de acordo com o §2º, ser “fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”, observados como parâmetros objetivos situações tais como o grau de zelo do profissional, o local da prestação do serviço, a natureza e importância da demanda, assim como o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Relevante registrar que o Estatuto da Ordem, tanto em relação aos honorários derivados de ação de arbitramento quanto às verbas sucumbenciais, previstos na correlata condenação, “pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”, na forma estabelecida pelo artigo 23.2
Importa saber que ao repartir a competência tributária, a Constituição Federal reservou aos Municípios, por meio de seu artigo 156, III, o imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.” Esses serviços, excepcionados expressamente pela Constituição de 1988, são os de transporte interestadual e intermunicipal, e que, portanto, se submetem ao ICMS no âmbito da competência tributária dos Estados.
De acordo com o item 17.14 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/03, norma geral do ISS, tem-se o serviço de “Advocacia” dentre aqueles que, de nos termos de seu artigo 1º, têm como fato gerador a prestação de serviços constantes da listagem e que, também, não se constituam como atividade preponderante do prestador.
Nesse caso, a referência derivada do mencionado item da Lista Anexa à legislação de regência diz respeito à advocacia e, portanto, aos honorários estritamente pactuados no contrato de prestação de serviços entre o cliente e o advogado, por ocasião da relação jurídica entre eles existente.
Assim, os honorários sucumbenciais não compõem a relação jurídica contratual estabelecida, para formalizar a contratação da prestação dos serviços de advocacia, não integrando, assim a relação jurídica cliente-advogado, leia-se: tomador e prestador dos serviços contratados, respectivamente.
O advogado não presta serviço ao terceiro sucumbente, pois não possui qualquer relação jurídica de natureza contratual com o mesmo. A relação entre a parte que sucumbiu e o advogado beneficiário da verba de sucumbência é uma decorrência direta da aplicação da legislação processual civil, sem vínculo ou manifestação de vontade.
Se por um lado o contrato estipulando honorários convencionais decorre da vontade exercida pelas partes que integram essa relação contratual, a verba honorária sucumbencial configura uma obrigação legal, disciplinada pelos já referidos artigos 23 do Estatuto do Advogado e 85 do CPC.
Com efeito, a relação entre advogado e cliente resulta invariavelmente no acertamento de honorários contratuais, convencionados na esfera da autonomia privada das partes da relação de confiança, enquanto que, no processo judicial, exsurge remuneração diversa e atinente aos honorários de sucumbência. Ambas as espécies de honorários, convencionais (ou fixados por arbitramento) e de sucumbência são cumulativos e pertencem ao advogado, como forma de remunerá-lo pelo seu serviço indispensável à administração da Justiça, consoante disposto pelo artigo 133 da Constituição Federal.
É dizer, não se confunde a verba honorária derivada do contrato de prestação de serviços e seu objeto delimitado com a remuneração advinda da condenação judicial, do processo judicial em si, conforme determinado objetivamente pela legislação processual civil vigente. Vale ressaltar que a sucumbência não integra o objeto da relação contratual, tendo esta previsão exclusivamente dos honorários convencionados entre cliente e advogado.
Nem há como saber sequer se haverá verba sucumbencial no momento da contratação dos serviços do advogado, pois disso depende um evento futuro e incerto que é justamente o êxito total ou parcial da demanda judicial objeto do contrato avençado entre o cliente e seu advogado. E se houver, repita-se, a sucumbência decorre da legislação processual civil aplicável e não do contrato celebrado entre cliente tomador e advogado prestador dos serviços vinculados.
Nos termos do artigo 156, II, da Constituição Federal, de onde se extrai o aspecto material do ISS tem-se o verbo e seu complemento prestar serviços, implicando em fazer (e não dar) alguma coisa em benefício de outrem, com habitualidade e finalidade lucrativa3, ou seja, o fato jurídico tributário do ISS se verifica quando consumada a prestação do serviço, envolvendo na via direta o esforço humano.4
Dizendo de outro modo, entende-se por prestar serviço o ato ou efeito de servir, no sentido de prestar trabalho ou atividade em proveito de terceiro, mediante remuneração. Nesse caso o ISS recai sobre a circulação de bem imaterial, denominado serviço, resultando em obrigação de fazer. A prestação de serviços corresponde a uma utilidade material ou imaterial pela aplicação do trabalho humano, configurando execução de obrigação de fazer e não de dar coisa.
A prestação de serviços corresponde ao esforço humano exercido em favor de terceiro, qualquer outra atividade que não corresponda a uma obrigação de fazer não poderá ser objeto de tributação pelo imposto sobre serviços5. Nas palavras de Marcelo Caron Baptista, o “critério material do ISS identifica-se, em uma primeira aproximação, com a ação voltada à realização de um serviço.” 6
Essa prestação de serviços, enquanto esforço e ou ação humana, necessariamente deve guardar referibilidade com um determinado valor a título de remuneração, um preço pelos serviços prestados em benefício de terceiro. Trata-se da natureza sinalagmática da prestação do serviço. De modo que a base de cálculo do ISS somente pode corresponder ao valor da prestação do serviço efetuado, ou seja, o preço do serviço.
Não é qualquer ingresso que resulta na incidência do ISS, mas a decorrente da prestação de serviços, atividade tributária. Assim, outras receitas, qualificadas como inorgânicas ou secundárias, cuja origem não seja a atividade tributada propriamente dita, originárias de atividades ditas marginais e que não representam fruto do serviço prestado, não são relevantes para fins de incidência do ISS. Isto porque, ressalte-se, configuram ingressos que não representam preço do serviço, nem, portanto, base de cálculo do tributo. Confira-se a respeito o sólido ensinamento de Eduardo Domingos Bottallo:
“Enfim, a base de cálculo do ISS não pode albergar todas as entradas de dinheiro nos cofres do prestador, mas, tão somente, as parcelas correspondentes ao efetivo preço dos serviços que executa. A matéria tributável do imposto em tela é, pois, a resultante da prestação de serviços (atividade-fim), com exclusão das demais entradas, ditas inorgânicas ou secundárias.”7
A sucumbência não integra o valor do preço do serviço, estipulado previamente no contrato por manifestação de vontade dos contratantes. Configura, pois, valor estranho a esta remuneração previamente pactuada e, portanto, à própria base de cálculo do ISS.8
Para tanto, deve-se levar em conta que o contrato de prestação de serviços advocatícios tem por característica essencial a sua bilateralidade e, como leciona Paulo de Barros Carvalho, “torna-se invariavelmente necessária a existência de duas pessoas diversas, na condição de prestador e tomador”, sendo “imprescindível que o contrato bilateral tenha conteúdo econômico, fixando-se preço em contraprestação à utilidade imaterial fornecida pelo prestador.” 9
Pressupõe-se uma relação jurídica contratual bilateral, de conteúdo econômico, em que o tomador e prestador enquanto partes estabelecem direitos e deveres recíprocos, de acordo com os requisitos e condições que o ordenamento jurídico impõe. Aqui novamente relevante a referência ao sinal presuntivo de riqueza para fins de incidência do ISS, qual seja: o preço estipulado no contrato, entre o cliente tomador e seu advogado prestador de serviço.
O preço da prestação do serviço jurídico em si, previamente definido no respectivo objeto contratual, é o único dado que expressa o conteúdo patrimonial do comportamento tributável. Assim, unicamente a prestação de serviços remunerada de serviços, tendo por referencial o valor correspondente ao esforço do prestador, corresponde ao aspecto material da hipótese normativa.10
Nem se diga que a referência ao vocábulo “Advocacia” pelo item 17.14 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/03 é suficiente para concluir, de modo rasteiro, que a sucumbência se encontra implícita no mesmo. Nesse caso, além de se contrariar todo o rol de argumentos extraídos do Direito Privado em relação à bilateralidade e referibilidade do contrato de prestação de serviços advocatícios visando fins estritamente arrecadatórios, e por conseguinte o artigo 110 do Código Tributário Nacional – CTN, estar-se-á pretendendo aplicar indevidamente interpretação extensiva no âmbito do Direito Tributário.
O item “Advocacia” da Lista Anexa à Lei Complementar 116/03 serve para especificar ou delimitar a extensão do significado da locução “serviços de qualquer natureza”, ou seja, serviços de natureza advocatícia e que, portanto, decorrem estritamente da relação contratual, bilateral, existente entre o advogado e seu cliente.
Em última análise, a verba sucumbencial não está inserida nesse contexto, pois não equivale a serviço, e, tampouco, está indicada de modo expresso na Lista Anexa da referida Lei Complementar. Até porque, se assim fosse, a previsão da Lista deveria ser “Advocacia e verba sucumbencial dela decorrente”, o que não tem, frente ao aspecto material e à base de cálculo do ISS qualquer sentido diante das considerações acima consignadas.
Fonte: www.migalhas.com.br