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Sanção Pecuniária Disciplinar (Multa Salarial) no Contrato Laboral Esportivo

No trabalho dos jogadores profissionais é cediço, por vezes, o costume de aplicação de sanções pecuniárias por infrações disciplinares praticadas no dia a dia de labor. Esteira costumeira existente desde o antigo regime do contrato de trabalho desportivo, que permitia multa de até 60% (sessenta por cento) do salário dos atletas, regulado pelo art. 38 da Portaria n. 254 de 1941 do Ministro de Educação e Saúde. A respeito, doutrina de referência sempre firmou ser ilegal tal sanção pecuniária, por diversos fundamentos.[1]

Anos mais tarde, a costumeira multa salarial foi consagrada na revogada Lei n. 6.354/76 (Lei do Passe) em seu art. 15, §1º, que admitia a punição pecuniária de até 40% do salário atlético em caso de infrações disciplinares.

Durante muitos anos, principalmente, a partir do suporte legal referido, se tornou plenamente comum a sanção pecuniária aos atletas indisciplinados no serviço, continuando a existir com menos frequência depois da ab-rogação da Lei n 6.354/76 pela Lei n. 12.395/11.

No entanto, desde ao advento da Constituição Federal de 1988, a sanção pecuniária de até 40% sobre os salários dos atletas foi questionada por alguns doutrinadores que entendiam ser uma afronta ao princípio da intangibilidade salarial e o seu corolário irredutibilidade salarial, violando o art. 462 da CLT, representando uma afronta à nova ordem constitucional (art. 7°, CF/88).[2]

Doutrina especialista[3] defendia à luz do próprio caput do art. 462 da CLT, que não havia violação em estabelecer na lei, como era antes da revogação da Lei n. 6.354/76, uma sanção disciplinar de multa, desde que se observasse a determinação legal de repasse do recolhimento das multas ao fundo da FAAP (antigo art. 57 da Lei Pelé), o que, pragmaticamente, nunca ocorria. Os clubes recolhiam as multas para as famosas “caixinhas”, destinando outros rumos dos apontados na lei, por isso, a aplicação da multa acabava por ser ilegal.

A questão aplicativa da sanção pecuniária deve ser apreciada por dois ângulos, o primeiro deles seria a constitucionalidade e legalidade antes da recente revogação total da Lei n. 6.354/76. Neste tocante, entendíamos seguindo a doutrina majoritária[4], que a multa de até 40% do salário mensal do atleta não se constituía inconstitucionalidade, pois o nosso ordenamento veda a redução desmotivada, injustificada e desproporcional do salário por medida unilateral do empregador, mas não veta a adoção de sanção pecuniária como pena disciplinar laboral, desde que previsto em dispositivo de lei ou decorrente de norma coletiva. Essa é a linha do descrito no art. 462 da CLT.[5]

Outro entendimento deve ser assumido após a edição da Lei n. 12.395/11 que revoga por completo a Lei n. 6.354/76, pois conforme o sobredito, sem norma específica ou disposição normativa coletiva que prescreva sanção pecuniária não se pode aplicar mais a tradicional multa, embora alguns clubes permaneçam a aplicá-la.

Conceituada vertente doutrinária,[6] mesmo após a ab-rogação da Lei do Passe pela Lei n. 12.395/11, continua a entender possível a subsistência da multa pecuniária por indisciplina com fundamento no art. 48 da Lei Pelé conjugado ao art. 8°, caput, da CLT, por força dos costumes do contrato de trabalho desportivo.

Pensa-se não prosperar tal posicionamento, pois o art. 48 está alocado na parte da “Ordem Desportiva”, sequer se encontra entre os arts. 26 e 46-A “Da Prática Desportiva Profissional” direcionados, em boa parte, ao trabalho desportivo, revelando a multa prevista no art. 48, III, da Lei Pelé, uma sanção cível aplicável no âmbito do associativismo desportivo pelos clubes ao praticante desportivo, adveniente da indisciplina ocorrida dentro das instalações dos clubes ou proveniente de competições não profissionais, como é caso de várias competições no futsal, tênis de mesa, natação, judô, dentre outros.

Ademais, no presente caso de multa salarial não se deve aceitar a prática de costumes (art. 8°, caput, da CLT), na medida em que o art. 462 da CLT abre espaço jurídico para apenação pecuniária excetiva por via legal específica ou norma coletiva de trabalho, configurando a falta destas uma transgressão ao art. 7° da CF/88 e toda a sua principiologia laboral.

Desse modo, inexistindo norma infraconstitucional ou norma coletiva prevendo multa salarial, os costumes (art. 8°, caput, da CLT) não podem subsistir in malem partem, mas somente poderiam existir para beneficiar o trabalhador desportivo, nunca para prejudicá-lo, diante da tuitiva laboral desportiva mínima a prevalecer, e ainda em ressonância da função social e equilibrada que regem a matriz moderna dos contratos em geral.[7]

Entretanto, vale memorar que, a mesma Lei n. 12.395/11 reforça a representação e a negociação coletiva do trabalho desportivo (arts. 42, § 1°, 90-C e 90-D da Lei Pelé atual)[8], sendo assim, na sintonia do art. 28, § 4° c/c art. 462, caput, da CLT, se for negociada uma norma coletiva com previsão de sanção pecuniária disciplinar, voltaria a ser constitucional e legal a aplicação da multa, desde que alinhavada com o princípio da proporcionalidade/razoabilidade, sugerindo-se percentual menor ao que existia no revogado art. 15, §1º da Lei n. 6.354/76, em até 20% (vinte por cento), devendo tal montante ser distribuído como recurso para a Federação das Associações de Atletas Profissionais de Futebol (FAAP), Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF), Sindicatos dos Atletas Profissionais, e não para as famosas “caixinhas” dos clubes.

Adita-se que, o escopo do art. 462, caput, da CLT está em compasso com o art. 7°, VI, da CF/88, na medida em que este, per se, permite por instrumento normativo e em caráter excepcional a redução salarial em crise acentuada ou em Estado de emergência social, que dirá para atos indisciplinares previstos em lei ou em norma coletiva de trabalho, devendo-se apenas ater-se em tais normativas aos princípios constitucionais, alguns deles acima abordados.

Enfim, desde 17 de março de 2011 com a publicação da Lei n. 12.395 que revogou por completo a Lei n. 6.354/76, não se pode mais aplicar a antiga multa prevista no art. 15, §1º da extinta Lei do Passe (6.354/76),[9] a não ser que, como manifestado acima, as entidades sindicais de ambos os protagonistas da relação laboral desportiva criem norma coletiva delineando sanção pecuniária disciplinar, de acordo com os princípios da intangibilidade, irredutibilidade, proporcionalidade, razoabilidade e coletivos do trabalho.

 

Referências bibliográficas

 

– Obras

 

CATHARINO, José Martins. Contrato de emprêgo desportivo no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1969.

 

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010.

 

MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006.

 

_______. Nova lei pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária Editora, 2011.

 

MOTA, Konrad Saraiva. A pena de multa ao atleta profissional e o direito fundamental a intangibilidade salarial. In: MELO FILHO, Álvaro et al. Direito do trabalho desportivo: homenagem ao professor Albino Mendes Baptista. São Paulo: Quartier Latin, 2012.

 

SOUZA NETO, Fernando Tasso de. Das multas aos atletas profisisonais de futebol: constitucionalidade e aplicabilidade. In: MACHADO, Rubens Approbato et al. Curso de direito desportivo sistêmico. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

 

SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

 

ZAINAGHI, Domingos Sávio. Nova legislação desportiva: aspectos trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004.

 

_______. A possibilidade da aplicação de multas aos atletas profissionais. In: OLIVEIRA, Leonardo Andreotti P. De (coord.). Direito do trabalho e desporto. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2015.

 

– Periódicos

 

FARIA, Tiago Silveira de. A extinção da multa salarial para os atletas profissionais de futebol. Revista eletrônica. Rio Grande do Sul: Escola Judicial do TRT da 4ª Região, ano VIII. n.° 143, p. 61-64, 2ª Quinzena de Julho de 2012.

 

SÁ FILHO, Fábio Menezes de.  Alterações na legislação laboral desportiva: incidência na prática futebolística. Revista de direito do trabalho – rdt. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 37. n.° 144, p. 293-307, outubro/dezembro, 2011.

 

– Sítios da Internet

 

SOUZA NETO, Fernando Tasso de. Da multa ao atleta profissional de futebol. Disponível em: <https://ipdireitodesportivo.wordpress.com/tag/fernando-tasso/page/2/>. Acesso em: 16 mai. 2016.

[1] CATHARINO, José Martins. Contrato de emprêgo desportivo no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1969, p. 41-42, 75-76.

[2] SANTOS, Antônio Sérgio Figueiredo apud SOUZA NETO, Fernando Tasso de. Das multas aos atletas profisisonais de futebol: constitucionalidade e aplicabilidade. In: MACHADO, Rubens Approbato et al. Curso de direito desportivo sistêmico. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 631. Partilha da mesma posição em MOTA, Konrad Saraiva. A pena de multa ao atleta profissional e o direito fundamental a intangibilidade salarial. In: MELO FILHO, Álvaro et al. Direito do trabalho desportivo: homenagem ao professor Albino Mendes Baptista. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 326-328. No mesmo rumo SÁ FILHO, Fábio Menezes de.  Alterações na legislação laboral desportiva: incidência na prática futebolística. Revista de direito do trabalho – rdt. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 37. n.° 144, p. 293-307, outubro/dezembro, 2011.

[3] ZAINAGHI, Domingos Sávio. Nova legislação desportiva: aspectos trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004, 2004, p. 42-43.

[4] B – Multa – A doutrina e a jurisprudência, em nosso país, não endossam a aplicação de multa pelo empregador a ser descontada do salário, salvo quando admitida na regulamentação legal da categoria ou na convenção ou acordo coletivo aplicável. Ela não se confunde com a indenização prevista no §1º do art. 462 da CLT, devida na ocorrência de dano causado pelo empregado. É que a multa constitui penalidade concernente à violação do dever contratual, enquanto a indenização estipulada no contrato ou em caso de dolo visa à reparação de danos causados pelo empregado no estabelecimento onde trabalhe. Neste sentido prevalece a doutrina. SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 279. (grifos nossos).

Finalmente, há uma figura punitiva singular, a multa. De maneira geral, a pena pecuniária é vedada no Direito do Trabalho, por afrontar os princípios da intangibilidade e irredutibilidade salariais, agredindo, ainda, a regra disposta no art. 462 da CLT.

Contudo, a legislação referente ao contrato de trabalho do atleta profissional de futebol autoriza, por exceção, a referida penalidade pecuniária, desde que não ultrapasse 40% do salário mensal do futebolista. Registre-se que a penalidade em exame, fixada pelo art. 15, §1º, da Lei n. 6.354, de 1976, não se mostra incompatível, como visto, com o novo diploma legal instituidor de normas gerais sobre desporto (Lei n. 9.615, de 24.3.1998, regulada pelo Decreto n. 2.574, de 29.4.1998)É que a nova legislação regulamentadora refere-se à estipulação de cláusula penal ‘para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral’ do contrato (art. 28, caput, Lei n. 9.615/98). Além disso, a Lei n. 9.615 preservou a vigência do preceito punitivo da velha Lei n. 6.354/76, isto é, seu art. 15, §1º, acima mencionado (“Disposições Transitórias” da Lei n. 9.615/98, arts. 91 e 96).

Afora essa isolada exceção, não se acata a multa como meio punitivo no ramo juslaboral brasileiro. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 632-633. (grifos nossos).

O empregado comum pode ser advertido, suspenso, ou até mesmo demitido por justa causa, mas não pode ser multado. Exceção a isso é o caso do atleta profissional de futebol, segundo o art. 15 da Lei 6.354/76. Muitos entendem que esse dispositivo foi revogado pela Constituição de 1988 (art. 7º, VI – irredutibilidade do salário), o que torna ilegal a aplicação dessas multas.

Há, porém, uma corrente doutrinária, na qual me incluo, que entende que a multa é, ou deveria ser, legítima. Isso porque a natureza patrimonial da relação laboral desportiva implica numa rara utilização da suspensão ou do despedimento por justa causa como forma de punir o atleta indisciplinado. SOUZA NETO, Fernando Tasso de. Da multa ao atleta profissional de futebol. Disponível em: <https://ipdireitodesportivo.wordpress.com/tag/fernando-tasso/page/2/>. Acesso em: 16 mai. 2016. (grifos nossos).

[5] No Direito português a sanção pecuniária é prevista desde o primeiro Código do Trabalho (art. 366.º/c) , atualmente, art. 328.º/1/c) do novel Código do Trabalho lusitano.

[6] ZAINAGHI, Domingos Sávio. A possibilidade da aplicação de multas aos atletas profissionais. In: OLIVEIRA, Leonardo Andreotti P. De (coord.). Direito do trabalho e desporto. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin,, 2015, p. 107-113.

[7] Entendimento dissonante em ZAINAGHI, Domingos Sávio. A possibilidade da aplicação de multas aos atletas profissionais. In: OLIVEIRA, Leonardo Andreotti P. De (coord.). Direito do trabalho e desporto. Vol. II. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 101-103.

[8] Art. 90-C. As partes interessadas poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, vedada a apreciação de matéria referente à disciplina e à competição desportiva. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

Parágrafo único. A arbitragem deverá estar prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho e só poderá ser instituída após a concordância expressa de ambas as partes, mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

Art. 90-D. Os atletas profissionais poderão ser representados em juízo por suas entidades sindicais em ações relativas aos contratos especiais de trabalho desportivo mantidos com as entidades de prática desportiva. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

[9] Entendimento sustentado em GODINHO, Muricio Delgado., op. cit., 2013, p. 700. Comungado também por FARIA, Tiago Silveira de. A extinção da multa salarial para os atletas profissionais de futebol. Revista eletrônica. Rio Grande do Sul: Escola Judicial do TRT da 4ª Região, ano VIII. n.° 143, p. 61-64, 2ª Quinzena de Julho de 2012.

 

Fonte: Os Trabalhistas.

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