

RAFAELA RODRIGUES DE MORAIS
Advogada, especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC)
Advogada Associada no PA&G Advogados
Palavras-Chave: Dignidade da pessoa humana. Isonomia. Licença. Princípio. Trabalhador
É sabido que o Direito do Trabalho tem por objeto de estudo as relações de trabalho subordinado e situações análogas, o qual anseia a melhora da condição socioeconômica do trabalhador, fazendo valer as medidas de proteção que lhe são cabíveis (MARTINS, 2006). Também pode ser conceituado como o conjunto de princípios, normas e instituições, que se aplicam à relação de trabalho, tendo em vista a proteção do trabalhador e a melhoria de sua condição social (MAGANO, 1998, p. 10). A Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, é a principal norma brasileira reguladora das relações trabalhistas e visa assegurar a proteção social, individual e coletiva aos trabalhadores (COSTA, 2013).
No entanto, apesar do caráter protetivo da CLT, a realidade atual das relações trabalhistas vem mostrando a imperiosidade da concessão de uma licença que infelizmente não está prevista no ordenamento jurídico pátrio. Trata-se da licença por motivo de doença de pessoas de família, que se faz necessária quando um parente, geralmente próximo, é acometido por enfermidade e a presença do trabalhador torna-se indispensável para sua recuperação.
Vale ressaltar, desde logo, que essa licença não é estranha ao mundo jurídico, sendo prevista para servidores públicos nas mais diversas esferas da federação. No entanto, nunca houve previsão normativa desse direito para os empregados celetistas.
A importância do referido tema se deve ao fato de que fatalidades acometem os familiares de qualquer pessoa, inclusive os dos trabalhadores celetistas, que hoje correspondem a maioria esmagadora dos empregados do nosso país (ANDRADE, 2013).
Apesar disso, constata-se um certo desinteresse dos juristas e legisladores pelo tema e o desconhecimento dos trabalhadores quanto aos meios pelos quais eles podem por esse direito, tanto na esfera política quanto na jurídica. Por outro lado, não há um sólido entendimento jurisprudencial acerca do assunto, que preveja uma certa segurança jurídica da questão na ausência de previsão legal específica.
O trabalho em comento pretende analisar, em linhas gerais, os aspectos jurídicos atuais da licença por motivo de doença da pessoa da família e os fundamentos jurídicos pelos quais entendesse possível a extensão do referido direito para os empregados celetistas, com fundamento nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, valor maior do Estado Democrático de Direito, e da isonomia.
Por fim, reitera-se a pertinência do trabalho em tela, tendo em vista a importância de se debater a garantia de uma licença que assegure aos trabalhadores celetistas a manutenção do emprego caso seja necessário seu afastamento em razão de doença de algum familiar.
Antes de analisar especificamente a viabilidade da concessão da citada licença por motivos de doença de pessoa da família para celetistas, é imperioso entender a evolução do direito que hoje é concedido aos funcionários públicos.
Preliminarmente, cumpre elucidar o surgimento da referida licença e quais foram as transformações por ela sofridas ao longo dos anos. A Licença por Motivo de Doença em Pessoa da Família está garantida em nosso ordenamento jurídico na Lei n. 8.112/90 (Estatuto dos Servidores Públicos), que disciplina o regime jurídico dos servidores públicos da União, fundações públicas e autarquias.
A licença se encontra disciplinada no Título III (dos Direitos e Vantagens), Capítulo IV (das Licenças), Seção II (da Licença por Motivo de Doença em Pessoa da Família), do artigo 83 (BRASIL, 1990). Tal artigo passou por diversas alterações desde sua promulgação. Vê-se:
Art. 83. Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, padrasto ou madrasta, ascendente, descendente, enteado e colateral consanguíneo ou afim até o segundo grau civil, mediante comprovação por junta médica oficial.
§ 1° A licença somente será deferida se a assistência direta do servidor for indispensável e não puder ser prestada simultaneamente com o exercício do cargo.
§2° A licença será concedida sem prejuízo da remuneração do cargo efetivo, até 90 (noventa) dias, podendo ser prorrogada por até 90 (noventa) dias, mediante parecer de junta médica, e, excedendo estes prazos, sem remuneração.
Com o advento da Lei n° 9527, em 1997, a redação sofreu importantes alterações, dentre elas a que restringiu o benefício das categorias de ascendentes e descendentes para apenas os de primeiro grau (pais e filhos), bem como excluiu os colaterais consanguíneos ou afins até o segundo grau civil, e acrescentou os dependentes que vivam às expensas do servidor e conste do seu assentamento funcional.
Noutro ponto, o prazo da licença concedida sem prejuízo da remuneração do cargo efetivo passou de 90 (noventa) para 30 (trinta) dias, admitindo prorrogação por igual período.
Por conseguinte, a Medida Provisória n° 441 de 2008 (BRASIL, 2008), modificou o caput e o parágrafo segundo, e incluiu o parágrafo terceiro. Senão, veja-se:
Art. 83. Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, mediante comprovação por perícia médica oficial
§ 2° A licença será concedida, sem prejuízo da remuneração do cargo efetivo, por até trinta dias, podendo ser prorrogada por até trinta dias e, excedendo estes prazos, sem remuneração, por até noventa dias.
§ 3° Não será concedida nova licença em período inferior a doze meses do término da última licença concedida.
E finalmente, as últimas modificações feitas pela Lei nº 12.269 de 2010, que também ampliou o direito à licença para os servidores ocupantes de cargos comissionados, sem vínculo com a administração pública federal e alterou a redação do parágrafo segundo e terceiro, e acrescentou o parágrafo quarto.
O parágrafo segundo determinou o período aquisitivo de doze meses para a concessão da licença, de forma que, o inciso I estabeleceu o prazo de até 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, mantendo a remuneração do servidor, enquanto que o inciso II determinou o prazo de até 90 (noventa) dias, consecutivos ou não, sem a referida remuneração.
Outrossim, a alteração referente ao parágrafo terceiro é a inclusão do marco inicial para contagem do prazo do interstício de 12 (doze) meses.
Por último, a inserção do parágrafo quarto assenta que a soma das licenças remuneradas e das licenças não remuneradas, incluídas as respectivas prorrogações, concedidas em um mesmo período de 12 (doze) meses, observado o disposto no § 3°, não poderá ultrapassar os limites estabelecidos nos incisos I e II do § 2°.
Ante o já exposto, pode ser verificado que a lei passou por inúmeras alterações, as quais podemos separar em três períodos.
Da Lei 8.112/90 até à Lei 9.527/97, é assegurada a licença de 90 (noventa) dias, prorrogável por no máximo 90 (noventa) dias, sem prejuízo da remuneração durante todo o período.
Da Lei 9.527/97 até à Medida Provisória 479/2009, a duração da licença é reduzida para 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, sem prejuízo da remuneração por todo o período;
Da Medida Provisória 479/2009 até os dias de hoje, concede-se a licença de até 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, dentro do período de 12 (doze) meses, sem prejuízo da remuneração, ou até 90 dias de licença, com prejuízo da remuneração, para servidores o públicos e em cargos de comissão.
Assim, após diversas mudanças desde sua criação, hoje temos a seguinte redação do artigo 83:
Art. 83. Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva a suas expensas e conste do seu assentamento funcional, mediante comprovação por perícia médica oficial. (Redação dada pela Lei nº 11.907, de 2009)
§ 1o A licença somente será deferida se a assistência direta do servidor for indispensável e não puder ser prestada simultaneamente com o exercício do cargo ou mediante compensação de horário, na forma do disposto no inciso II do art. 44.(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
§ 2o A licença de que trata o caput, incluídas as prorrogações, poderá ser concedida a cada período de doze meses nas seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 12.269, de 2010)
I – por até 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, mantida a remuneração do servidor; e (Incluído pela Lei nº 12.269, de 2010)
II – por até 90 (noventa) dias, consecutivos ou não, sem remuneração. (Incluído pela Lei nº 12.269, de 2010)
§ 3o O início do interstício de 12 (doze) meses será contado a partir da data do deferimento da primeira licença concedida. (Incluído pela Lei nº 12.269, de 2010)
§ 4o A soma das licenças remuneradas e das licenças não remuneradas, incluídas as respectivas prorrogações, concedidas em um mesmo período de 12 (doze) meses, observado o disposto no § 3o, não poderá ultrapassar os limites estabelecidos nos incisos I e II do § 2o. (Incluído pela Lei nº 12.269, de 2010)
Vê-se, portanto, que a licença por motivo de doença em pessoa da família é um direito adquirido pelos servidores estatutários (posteriormente estendido aos ocupantes de cargo em comissão), a qual assegura a assistência direta do servidor ao familiar doente, desde que seja indispensável a sua assistência pessoal. Os familiares a quem se refere o artigo são filhos, pais, padrastos, madrastas, enteados, cônjuges, companheiros e dependentes que vivam sob seus cuidados.
Inicialmente, é importante lembrar que não há previsão legal expressa deste direito aos trabalhadores celetistas. Somente é reconhecido o seguro-doença, também chamado de auxílio enfermidade, que está disposto no art. 476 CLT. Tal benefício é concedido apenas para o trabalhador, não havendo possibilidades de extensão para pessoas de sua família (BRAGA, 2013).
No entanto, existe um projeto de lei em curso, o de nº 3.327, de 2012, de autoria do deputado de Assis Melo, que pretende conceder aos trabalhadores regidos pela CLT o direito a licença para acompanhamento de pessoa da família em razão de doença.
O projeto inclui o inciso X no artigo 473 da CLT, no qual se elenca os casos em que o trabalhador poderá faltar o serviço sem prejuízo do salário:
X – em razão de doença de pessoa da família, mediante laudo médico que ateste a necessidade de assistência direta do empregado.
§ 1º Poderá ser concedida licença ao empregado por até 30 dias, em função de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva a suas expensas.
§ 2º A licença somente será deferida se a assistência direta do trabalhador for indispensável e não puder ser prestada simultaneamente com o exercício da função ou mediante compensação de horário.
§ 3º É vedado o exercício de atividade remunerada durante o período da licença prevista no inciso X deste artigo.
§4º A licença de que trata inciso X deste artigo, incluídas as prorrogações, poderá ser concedida a cada período de doze meses nas seguintes condições:
a – por até 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, mantida a remuneração do trabalhador;
b – após 60 dias, por mais 30 dias, sem remuneração.
Vale mencionar ainda o Precedente Normativo n° 95 do Tribunal Superior do Trabalho, que assegura o direito a ausência remunerada de um dia por semestre ao empregado, para levar ao médico filho menor ou dependente previdenciário de até seis anos de idade, mediante comprovação no prazo de quarenta e oito horas (FRANZESE, 2013). Embora não tenha o alcance da licença em estudo, trata-se de importante reconhecimento da necessidade que o trabalhador pode vir a ter de se ausentar do trabalho em virtude de doença de membro da família.
O fundamento maior para a concessão da referida licença independentemente de norma legal específica é o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Ora, a interpretação do Direito não pode andar separadamente dos princípios da Constituição Federal. Para a doutrina moderna, os princípios constitucionais têm aplicabilidade imediata como se regras fossem, ou seja, tem caráter normativo, isto em razão do princípio da força normativa da Constituição Federal (SCHIAVI, 2013).
O princípio da proteção à dignidade da pessoa humana é o valor máximo da ordem jurídica brasileira, o núcleo básico do qual irradiam todos os demais direitos fundamentais, o qual se pretende elevar o ser humano ao centro de todo sistema jurídico, onde as normas são feitas para a pessoa e para sua realização existencial (FARIAS, 2005).
É pacífico entre os doutrinadores, e já visualizado, principalmente na ultima instância trabalhista, a importância da proteção à dignidade da pessoa humana, sendo essa a última finalidade do Direito e o fundamento de todo o ordenamento jurídico.
Em seus ensinamentos, Ingo Wolfgong Sarlet (2006, p. 60) conceitua o princípio da dignidade da pessoa humana, da seguinte forma:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
O valor dignidade da pessoa humana, dado o seu caráter normativo, é, portanto, suficiente para fundamentar a concessão de direitos essenciais independentemente de regra legal específica. E, em muitos casos, a licença por motivo de doença da família se mostrará essencial para a dignidade do trabalhador e até mesmo para a saúde do seu familiar. Como bem explica Gustavo Tepedino (1999, p.48):
A escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do parágrafo 2° do artigo 5°, no sentido da não-exclusão de quiser direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.
E aqui pode-se mencionar outro fundamento correlato ao da dignidade da pessoa humana, qual seja, o direito à saúde do familiar do trabalhador, que muitas vezes só será integralmente garantido com a presença deste. Veja-se que não estamos defendendo o direito por motivo de doença de qualquer familiar, mas daquele que têm importância fundamental na vida do trabalhador. O Precedente Normativo n° 95 do Tribunal Superior do Trabalho consubstancia esse entendimento, em relação ao filho menor e ao dependente previdenciário.
Ademais, não pode-se esquecer a situação econômica da nossa população, que na sua maioria não possuem condições financeiras de pagar pessoa para acompanhar seu parente, e nem de custear o deslocamento diário, nos casos em que o familiar se encontra internado em outra cidade.
Outro fator relevante é o emocional do trabalhador, que muitas vezes se sente angustiado por ter que largar seu parente, sabendo que este precisa dos seus cuidados. Fica, assim, em uma difícil situação, tendo que escolher entre a manutenção do seu emprego ou a assistência ao familiar doente.
Portanto, a Licença por Motivo de Doença em Pessoa da Família, que tem como valor o princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser assegurada também para a efetivação do direito à saúde constitucionalmente garantido.
Por fim, deve-se mencionar o princípio da isonomia. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da igualdade consiste em assegurar regramento uniforme às pessoas que não sejam entre si diferenciáveis por razões lógica e substancialmente (isto é, em face da Constituição) afinadas com eventual disparidade de tratamento” (MELLO, 2010, p. 198).
No caso em estudo, não há qualquer diferenciação lógica nem substancial em relação aos servidores públicos estatutários, que já têm o direito garantido em lei. A necessidade da licença pode se dar em relação a qualquer trabalhador indistintamente. Não faz sentido, pois, que esse direito não seja garantido também aos celetistas. Se o legislador é omisso, cumpre ao Judiciário efetivar o princípio constitucional.
Apesar dos fundamentos expostos, a jurisprudência pátria ainda é bastante reticente quanto à concessão da licença em favor do trabalhador para que este possa acompanhar familiar acometido de doença.
Na Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, o Ministro José Luciano de Castilho Pereira em decisão no processo DC – 1500856-89.2005.5.00.0000 posicionou-se da seguinte forma:
CLÁUSULA OITAVA – LICENÇA PARA ACOMPANHAMENTO DE FAMILIAR ENFERMO
O pedido foi formulado nos seguintes termos:
-A CMB concederá, sem ônus para o empregado, mediante requerimento do mesmo, licença para acompanhamento de familiar enfermo, assim entendidos aqueles considerados como dependentes econômicos pelo INSS e pela Receita Federal, devidamente comprovada e atestada, através de parecer emitido pelo Serviço Social da Empresa, por 03 (três) períodos, com duração máxima de 20 (vinte) dias cada um deles, sem prejuízo de sua remuneração-.
(fl. 11).
Sustenta a Suscitada que a condição é inerente aos seus poderes de comando e de gestão, além do que, não há amparo legal ou normativo para o deferimento da pretensão. Defiro parcialmente a Cláusula, nos termos do Acordo Coletivo anterior, homologado por este Tribunal, no seguinte sentido:
-A CMB concederá, mediante requerimento do empregado, licença sem remuneração para o acompanhamento de familiar enfermo, assim entendidos aqueles considerados como dependentes econômicos pelo INSS, devidamente comprovada e atestada através de parecer emitido pelo Serviço Social da Empresa. PARÁGRAFO ÚNICO – Fica estabelecido neste ato que a condição de dependência aludida no caput desta cláusula será comprovada perante o DEGRH. (BRASÍLIA, TST, DC 1500856892005500, José Luciano de Castilho Pereira, 27 de junho de 2005).
O Ministro Gelson de Azevedo, seguindo a mesma linha de pensamento do Ministro José Luciano de Castilho Pereira, no julgamento do processo DC 1782146-74.2007.5.00.0000, decidiu:
4. CLÁUSULA QUARTA: LICENÇA REMUNERADA E LICENÇA PARA ACOMPANHAMENTO DE FAMILIAR ENFERMO
Na pauta de reivindicações apresentada pelo Suscitante, a cláusula em epígrafe constou com a seguinte redação:
“CLÁUSULA QUARTA – LICENÇA REMUNERADA
A CMB concederá licença remunerada aos empregados, nos seguintes casos:
(…)
e) Aos empregados e empregadas, mediante requerimento dos(as) mesmos(as), licença para acompanhamento de familiar enfermo, assim entendidos aqueles considerados como dependentes econômicos pelo INSS e pela Receita Federal, devidamente comprovada e atestada a dependência, através de parecer emitido pelo Serviço Social da Empresa, por 03 (três) períodos e com duração máxima de 20 (vinte) dias cada um deles, sem prejuízo de sua remuneração.
f) No caso de filhos com necessidades especiais não haverá limite de idade” (fl. 11/12).
(…)
defiro parcialmente a Cláusula, de acordo com os termos ali ajustados (fls. 278 e 279):
CLÁUSULA QUARTA – ABONO DE FALTAS E SAÍDAS ANTECIPADAS – A CMB concederá abono de faltas aos empregados, nos seguintes casos:
(…)
PARÁGRAFO ÚNICO – LICENÇA PARA ACOMPANHAMENTO DE FAMILIAR ENFERMO – A Casa da Moeda do Brasil – CMB concederá, mediante requerimento do empregado, licença sem remuneração para o acompanhamento de familiar enfermo, assim entendido aquele considerado como dependente econômico pelo INSS, uma vez que comprovada e atestada esta condição através de parecer emitido pela Seção de Administração de Recursos Humanos –SEAH. (BRASÍLIA, TST, DC 1782146742007500, Gelson de Azevedo, 03 de Agosto de 2007).
São poucas as decisões encontradas no Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema, e dentre elas há a prevalência dos Dissídios Coletivos em relação aos Dissídios Individuais. Observa-se também a mesma linha de julgamento dos Ministros, qual seja, a garantia da licença, porém sem a remuneração do empregado.
Pesquisando os entendimentos dos Tribunais Regionais do Trabalho do Brasil, encontramos no TRT do Rio Grande do Sul o precedente n° 22 (PORTO ALEGRE, 2013) que fala sobre a falta justificada em casos de internação hospitalar de filhos menores de 12 anos:
O empregado não sofrerá qualquer prejuízo salarial quando faltar ao serviço por 1 (um) dia para internação hospitalar ou acompanhamento para consulta de filho, com idade de até 12 (doze) anos, ou inválido de qualquer idade.
De modo similar encontramos no TRT do Ceará decisões que apontam positivamente para a questão em tela, como por exemplo:
FALTAS E SUSPENSÕES. Estando o demandante autorizado a ausentar-se do serviço para acompanhar familiares ao médico, impõe-se a nulidade da pena de suspensão que lhe foi imposta, sendo-lhe devido o valor descontado pela falta justificada em junho. (CEARÁ, TRT-7, RO: 5984920105070012 CE 0000598-4920105070012, Paulo Régis Machado Botelho, 24 de Agosto de 2011).
Outrossim, observa-se um número maior de julgamentos favoráveis aos trabalhadores quando o cerne da questão envolve os filhos menores, que tem como fundamento não apenas a Constituição Federal, como também o Estatuto da Criança e Adolescente. Nesse sentido, decidiu o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná:
Ausência ao trabalho para acompanhamento de filho menor à consulta médica. Devolução de descontos. O art. 473 da CLT, não inclui dentre as ausências justificadas ali previstas as decorrentes de acompanhamento do filho menor à consulta médica. Não obstante, deve ser assegurado à trabalhadora o salário dos dias de ausência por motivo de acompanhamento do filho menor em atendimento médico, com vistas à efetivação do direito fundamental do menor à saúde, previsto no art. 227 da Constituição Federal (Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão) e também no art. 4º, da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Trata-se de direito fundamental a ser garantido, obrigatoriamente e em caráter prioritário, por toda a sociedade. Tendo em conta essa garantia alcançada ao menor, imprescindível que se propicie à mãe (no caso) o direito de ausentar-se do trabalho para acompanhar o atendimento médico do filho menor, que se encontra com saúde debilitada, sem que seja essa penalizada com a perda do salário. Recurso do autor ao qual se dá provimento (CURITIBA, TRT-9, Proc. 11738201166409002 AC 55650-2012, Archimedes Castro Campos Júnior, 30 de novembro de 2012)
Já no Tribunal Regional do Trabalho do nosso estado, são raras as decisões acerca do assunto. Uma delas é no Dissídio Coletivo nº 00954-2008-000-21-00-3:
CLÁUSULA VIGÉSIMA SÉTIMA JUSTIFICATIVA DE FALTAS
Fica a COSERN obrigada a justificar o ponto do empregado que necessitar se ausentar do serviço para acompanhar parente enfermo, assim entendido o pai, mãe, cônjuge e filhos, desde que o atestado médico, para requisitar tal afastamento seja previamente referendado pelo Serviço Médico ou Assistente Social da Empresa, que opinará conclusivamente acerca da real necessidade de afastamento do empregado.
Parágrafo primeiro – Nas ocorrências e condições previstas no Caput desta Cláusula, durante o ano civil, fica limitado em 10 (dez) dias, ainda que descontínuos, o tempo máximo de afastamento do empregado. Acima desse limite, mediante entendimento com o gerente, o empregado poderá se afastar, desde que faça opção pela Licença Não Remunerada, sendo, em conseqüência, descontado do seu salário, ou pela compensação dos dias não trabalhados.
Parágrafo segundo – Os empregados lotados no interior do Estado deverão solicitar liberação para acompanhamento de parente enfermo ao Gerente imediato, o qual ajustará o pedido junto ao Serviço Médico da Empresa. (NATAL, TRT-21, DC nº 00954-2008-000-21-00-3, Joaquim Sílvio Caldas, 12 de março de 2009).
Pode-se concluir, após a presente análise da jurisprudência pátria, que nossos tribunais, apesar de poucas demandas sobre a questão da concessão da licença para o acompanhamento de familiares doentes, quando acionados, tendem a se posicionar favoravelmente ao trabalhador.
Outrossim, observa-se que a maioria esmagadora das lides envolvendo a presente questão se concentra no campo dos Dissídios Coletivos. Isso decorre provavelmente da hipossuficiência do trabalhador perante a empresa que, em confrontos individuais, possui ínfimas chances vencer.
No presente estudo, viu-se que a Licença por Motivo de Doença em Pessoa da Família foi criada com o advento da lei 8.112/90 tendo passado por várias alterações desde sua elaboração.
Dentre as mudanças verificadas, está a restrição da categoria dos ascendentes e descendentes, para pais e filhos. Também se visualiza a redução significativa do tempo da licença, que em sua redação originária era de 90 (noventa) dias, prorrogáveis por igual período, sem prejuízo da remuneração, e hoje assegura apenas o período de 60 (sessenta) dias sem prejuízo da remuneração, e até 90 (noventa) dias, não sendo mantida a remuneração.
Após breves comentários a respeito da evolução da licença por motivos de doença de pessoas da família para servidores públicos, verificou-se que a licença é um direito atualmente previsto em lei apenas para servidores estatutários (hoje englobando também ocupantes de cargo em comissão), e que assegura a assistência direta do servidor ao familiar doente, desde que seja indispensável a sua assistência pessoal.
Não obstante, observou-se que há um projeto de lei, o de nº 3.327, de 2012, de autoria do deputado de Assis Melo, que pretende conceder aos trabalhadores regidos pela CLT o referido direito, acrescentando um novo inciso ao art. 473 da CLT, que prevê os casos em o que o trabalhador poderá faltar ao serviço sem prejuízo do salário.
No decorrer da realização deste estudo, foram expostos os fundamentos que suportam a concessão desse direito aos trabalhadores celetistas, quais sejam, os princípios da dignidade da pessoa humana e isonomia.
O princípio da proteção à dignidade da pessoa humana é o valor máximo da ordem jurídica, o núcleo do qual irradiam todos os demais direitos fundamentais. Dado o seu caráter normativo, o valor dignidade da pessoa humana é, portanto, suficiente para fundamentar a concessão de direitos essenciais independentemente de regra legal específica. E a licença por motivo de doença de pessoas da família, em muitos casos, se faz necessária para dignidade da pessoa humana do trabalhador celetista.
Além disso, o deferimento da licença em análise também é cabível por isonomia. Não há qualquer diferenciação lógica nem substancial em relação aos servidores públicos estatutários, que já têm o direito garantido em lei. A necessidade da licença pode se dar em relação a qualquer trabalhador indistintamente. Não faz sentido, pois, que esse direito não seja garantido também aos celetistas. Se o legislador é omisso, cumpre ao Judiciário efetivar o princípio constitucional.
Por fim, viu-se que, embora exista uma tendência protetiva da Justiça Trabalhista, com posicionamento favorável ao trabalhador nos tribunais superiores em dissídios coletivos, a questão acerca da concessão da licença sem previsão legal expressa ainda é incerta.
Conclui-se, assim, que os trabalhadores regidos pela CLT também têm direito à Licença para acompanhar familiar enfermo e que, mesmo não havendo norma específica, entende-se que o Judiciário pode conceder a licença em estudo para fazer prevalecer os princípios constitucionais da dignidade humana e da isonomia, considerando o caráter normativo que referidos princípios possuem.
Portanto, apesar do nosso ordenamento jurídico não possuir regra expressa sobre o assunto, o judiciário pode e deve assegurar em seus julgamentos que os trabalhadores regidos pela CLT possam dar a assistência necessária para seus familiares doentes sem que seus empregos fiquem em risco.
REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Juliana. Número de trabalhadores com carteira assinada cresce, mas em ritmo menor. Disponível em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-01-31/numero-de-trabalhadores-com-carteira-assinada-cresce-mas-em-ritmo-menor>. Acesso em: 02 out. 2013.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4.ed. São Paulo: LTr, 2008.
BRAGA, Luiz Felipe Nobre. A concessão de licença por motivo de doença em pessoa da família para trabalhadores regidos pela CLT: Um esboço crítico pelo cabimento do mandado de injunção. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17875/a-concessao-de-licenca-por-motivo-de-doenca-em-pessoa-da-familia-para-trabalhadores-regidos-pela-clt>. Acesso em: 03 nov. 2013.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
_______. Decreto-Lei N.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF: Ministério do Trabalho, 1943.
_______. Decreto-Lei N.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Regime Jurídico Único dos Servidores. Brasília, DF: Senado Federal, 1990a.
_______. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF. Ministério do Trabalho, 1990b.
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