

PAULO OCTÁVIO HUESO ANDERSEN
Mestrando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Advogado e Sócio no Paes de Almeida e Garcia Advogados.
Decisão liminar da Vice-Presidência do Superior Tribunal de Justiça, datada de 20 de janeiro de 2017, nos autos do Conflito de Competência nº 150.621 foi assunto nos fóruns de debate jurídicos nas últimas semanas que se passaram.
Por tal decisão, o Vice-Presidente do STJ, Ministro Humberto Martins, determinou a suspensão das execuções trabalhistas nas Varas do Trabalho cujas executadas eram empresas em recuperação judicial.
Em que pese tal decisão, de fato, não significar uma grande revolução na jurisprudência brasileira, eis que Tribunais de Justiça de diversos estado, e mesmo o STJ em outras oportunidades já tenham decidido nesse sentido, é sempre impactante, principalmente em tempos de crise econômica, verificarmos como assuntos que envolvem a relação de emprego e a execução trabalhista são levados às pautas de discussões doutrinárias.
As manchetes de websites especializados com a temática jurídica, num primeiro momento, até impactaram os leitores, uma vez que com um jogo de palavras no mínimo equivocado, noticiavam que o STJ havia suspendido as ações trabalhistas em face de empresas em recuperação judicial o que, em uma leitura apressada, levava a crer que todo o procedimento da Justiça Laboral havia sido suspenso em função de a empresa reclamada estar em procedimento recuperacional.
Entretanto, o jurista ou o interessado que se atentasse à matéria de cunho jornalístico de maneira mais detalhada logo percebia que a decisão do STJ suspendia apenas e, tão somente, a execução da reclamação trabalhista, principalmente no que se refere à constrição da empresa recuperanda.
O presente artigo tem, como objetivo, realizar uma pequena reflexão sobre o julgado liminar, para que se entenda como se opera a execução trabalhista de empresas que estão em procedimento de recuperação judicial.
A recuperação judicial de empresas.
Antes que se adentre ao mérito da questão e ao estudo do julgado, é importante que façamos uma breve explanação acerca do instituto da recuperação judicial, seus conceitos e objetivos. Tratam-se de elementos-chave para uma análise mais concreta da liminar do STJ.
A recuperação judicial, instituto modernizado e mais eficaz que a extinta concordata, trata-se de um procedimento judicializado, cujo objetivo é a manutenção das atividades empresariais da empresa e a preservação de seus ativos e postos de trabalho, de modo a evitar que a sociedade empresária, ou o empresário individual, fique fadado aos efeitos da falência.
Mencionado objetivo está expressamente previsto no artigo 47 da Lei de 11.101/05, in verbis:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Nas palavras de Amador Paes de Almeida:
“A recuperação judicial tem, a rigor, o mesmo objetivo da concordata, ou seja, recuperar, economicamente, o devedor, assegurando-lhe, outrossim, os meios indispensáveis à manutenção da empresa, considerando a função social desta”.[1]
É um procedimento que significa evolução da concordata porque, ao contrário desta, não se opera somente por meio de concessão de moratória às dívidas do empresário, ou seja, não é um artifício jurídico que apenas concede prazo para o pagamento de dívidas, mediante a concordância de credores e instituições financeiras.
Muito além disso, por meio do procedimento da recuperação judicial, após uma análise detalhada por parte de juízes e espertos acerca da viabilidade da empresa de continuação dos seus negócios a partir de requisitos como a importância social da empresa, sua mão-de-obra e tecnologia, o volume de ativo e passivo e seu porte econômico, é autorizado ao recuperando o acesso a diversos instrumentos previstos de maneira exemplificativa no artigo 50 da Lei nº 11.101/05 para que este conclua o objetivo de se recuperar perante o mercado e seus credores[2]:
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:
I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;
II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;
V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XI – venda parcial dos bens;
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIII – usufruto da empresa;
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
Assim, diante de procedimentos específicos, como a elaboração de quadro geral de credores e apresentação de plano de recuperação empresarial, detalhes estes que não cabem ser apresentados neste estudo, a recuperação judicial apresenta-se como uma alternativa benéfica à falência, eis que retoma oportunidades ao recuperando de retornar de maneira saudável ao mercado, viabilizando, para isso, a proteção ao emprego, às tecnologias e ao acesso de financiamentos.
Respeitados os procedimentos típicos da recuperação judicial e esta tendo sido deferida, de modo a iniciar seu processamento, instala-se o Juízo Universal, ou seja, a reunião das execuções que recaem sobre o recuperando em um único juízo. Daí o nome Juízo Universal: aquele responsável pelo universo de execuções que incidem sobre a empresa em recuperação judicial.
Da decisão liminar nos autos do Conflito de Competência nº 150.621 em trâmite no Superior Tribunal de Justiça.
Conforme anteriormente explano, nas mídias especializadas em direito, uma decisão liminar do Ministro Humberto Martins do STJ em procedimento de conflito de competência chamou atenção da comunidade jurídica e, em princípio, reacendeu discussões que outrora já foram pautas de inúmeros debates e decisões judicias diversas.
Não pelo brilhantismo da decisão que lhe é típico deste Ministro, nem tampouco pela inovação jurisprudencial. Mas a decisão que determinou a suspensão da execução trabalhista em questão na Vara do Trabalho de São João da Boa Vista em momento de calorosos debates internos e polarizados e que envolvem a política, a economia e o Poder Judiciário brasileiro, traz à tona as maiores paixões de um lado e de outro à discussão.
Para alguns, a decisão do STJ é resultado do momento político-econômico conturbado do Brasil, de modo que, diante da insolvência de patrões, o trabalhador acaba por arcar com os prejuízos financeiros. Para outros, a decisão é acertada e protege justamente aquilo que faz gerar emprego: o empregador.
Deixando de lado o discurso politizado das multidões, é necessário que se analise a técnica do julgado, os motivos pelos quais o julgador fundamentou seu voto no sentido de suspender a execução na Vara do Trabalho.
Pois bem, os autos de Conflito de Competência nº 150.621-SP tratam-se do questionamento de uma empresa do ramo de metalurgia e que, atualmente, passa por procedimento recuperacional, acerca da competência para o prosseguimento da execução proveniente de uma reclamação trabalhista procedente. Diante de conflito positivo de competência, eis que tanto a Vara Cível na qual corre a recuperação judicial da mencionada empresa, quanto a Vara do Trabalho na qual se tramita a reclamação trabalhista declararam-se competentes para o prosseguimento da execução da sentença trabalhista, coube ao STJ determinar sobre a qual dos juízos recai a competência executiva.
É bem verdade ressaltar, ainda, que a insurgência da suscitante, o que a motivou a ingressar com o Conflito de Competência, se deu em função da determinação, pela Vara Trabalhista, de constrição de um bem constante do patrimônio empresarial. Para a suscitante, portanto, dever-se-ia, em função da recuperação judicial, tramitar o processo de execução na vara do juízo recuperacional.
De fato, em conformidade com os julgados mais recentes, o Ministro Humberto Martins determinou a suspensão dos atos executórios no Juízo Trabalhista, sob a seguinte argumentação:
“A análise do presente conflito de competência indica que o requerimento liminar merece deferimento, haja vista o disposto nos arts. 6º, § 2º, e 47 da Lei nº 11.101/2005, normas voltadas a possibilitar a recuperação da pessoa jurídica que se encontra em desequilíbrio financeiro, favorecendo, dentro do possível, a sua preservação.
Por esse motivo, necessário observar, quanto à execução do passivo da sociedade em recuperação judicial, o plano aprovado pelo Juízo Empresarial”
Deste modo, determinou, ainda que em sede liminar, a suspensão da execução no Juízo Trabalhista, transferindo a competência para o seu prosseguimento, nos termos do artigo 6º, §2º, da Lei 11.101/05, ou seja, mediante requerimento de habilitação do crédito no plano de recuperação judicial, no Juízo recuperacional.
Trata-se de decisão acertada e no sentido do quanto se objetiva o procedimento da recuperação judicial. Não se pode conceber que um crédito constituído em momento anterior à decretação do processamento da recuperação judicial, mas liquidado em momento posterior à ele, seja executado de imediato, ultrapassando a satisfação de créditos de outros credores que constam no plano recuperacional.
Em que pese a tendência protetiva da Justiça do Trabalho, regulamentada em atenção aos princípios que protegem a relação de emprego e o empregado, tal fato não pode ser utilizado como justificativa para que o crédito trabalhista de um empregado ultrapasse, inclusive, créditos trabalhistas de outros empregados relacionados no plano recuperacional e, pior ainda, de modo a inviabilizar as operações da empresa – por meio de penhora de bens – que já se encontra em momento econômico fragilizado.
Nesse sentido, vejamos um julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região ignorando os objetivos da recuperação judicial, determinando a execução do crédito trabalhista da empresa recuperanda:
“Segundo preceituava o art. 24 do Decreto-Lei nº 7.661/45 e, ainda, a atual disposição do art. 6º da Nova Lei de Falências (Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005), a decretação da falência suspende as execuções em face do devedor. Desse modo, a suspensão da execução trabalhista diante da quebra da empresa ou do deferimento da recuperação judicial não implica, à toda evidência, a extinção da ação no juízo trabalhista, que deverá prosseguir no caso de subsistir crédito não satisfeito, inclusive em face dos sócios, desde que presentes, por óbvio, as circunstâncias autorizadoras da desconsideração da personalidade jurídica da empresa.” (TRT-15 – AGVPET: 15672 SP 015672/2009, Relator: LUÍS CARLOS CÂNDIDO MARTINS SOTERO DA SILVA, Data de Publicação: 27/03/2009)
Em sentido oposto, não só se verificam-se decisões do próprio Regional da 15ª Região e do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinando que a apuração do crédito ocorrerá na Justiça Especializada e que, ultrapassado esta procedimento, a execução se consolidará nos autos do procedimento falimentar. Vejamos:
“COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SINGULAR DA EXECUÇÃO TRABALHISTA EM PROL DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL DA FALÊNCIA. Nesse sentido vem caminhando a jurisprudência: “CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. JUÍZO UNIVERSAL. EXECUÇÕES TRABALHISTAS. PROSSEGUIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AÇÕES DE CONHECIMENTO PROPOSTAS PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO. PROSSEGUIMENTO ATÉ A APURAÇÃO DO CRÉDITO. 1. Há de prevalecer, na recuperação judicial, a universalidade, sob pena de frustração do plano aprovado pela assembléia de credores, ainda que o crédito seja trabalhista.
1. “Com a edição da Lei n. 11.101/05, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o respectivo Juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor” (CC 90.160/RJ, DJ de 05.06.2009).
2. As ações de conhecimento em trâmite na Justiça do Trabalho devem prosseguir até a apuração dos respectivos créditos. Em seguida, serão processadas no juízo universal da recuperação judicial as respectivas habilitações.” (TRT-15 – AGVPET: 35988 SP 035988/2010, Relator: OLGA AIDA JOAQUIM GOMIERI, Data de Publicação: 25/06/2010)
“RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Habilitação de crédito. Ação trabalhista ajuizada após o pedido de recuperação judicial, mas decorrente de crédito existente em período anterior. Crédito sujeito aos efeitos da recuperação judicial. Recurso provido.” (TJ-SP – AI: 22172394320168260000 SP 2217239-43.2016.8.26.0000, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 16/01/2017, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 16/01/2017)
Nos parece que a jurisprudência pátria, como não poderia deixar de ser, caminha no sentido de reunir no Juízo universal a concretização das execuções, cujos valores foram liquidados na Justiça do Trabalho, principalmente tratando-se de crédito constituído em momento anterior ao pedido de recuperação judicial pela empresa.
O STJ, como dito, não inovou, apenas consolida de maneira mais concreta uma posição que anteriormente já havia tomado com relação à matéria debatida. Torçamos, agora, para que a Justiça do Trabalho, em obediência à Lei 11.101/05 e aos objetivos da recuperação judicial não deixe de proceder com a mesma eficácia, possibilitando a plena reestabilização econômica da empresa recuperanda.